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As referências literárias de Cármen Lúcia que embasaram voto histórico pela condenação

12/09/2025 13h37 - Atualizado há 4 dias
As referências literárias de Cármen Lúcia que embasaram voto histórico pela condenação
Revista Fórum

No Supremo Tribunal Federal (STF), o voto da ministra Cármen Lúcia consolidou a maioria da 1ª Turma pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por golpe de Estado e foi simbólico em diversos sentidos. O primeiro por ser uma ministra mulher a definir o destino de um ex-presidente machista e misógino confesso, a segunda por condenar pela primeira vez, na História do Brasil, generais 4 estrelas por tentativa de golpe de Estado. Até hoje, esses crimes permaneceram impunes, e Bolsonaro foi eleito presidente celebrando-os. Com a condenação, o julgamento pode ser um novo divisor de águas para o Brasil e inaugura um marco civilizacional num país acostumado a golpes, sendo a primeira vez que alguém é encarcerado por incitar um.

 

Com um discurso entrelaçado por citações literárias e históricas, reflexões sobre o papel das mulheres e críticas ao autoritarismo, a ministra, antes de entrar nas nuances do estudo de cada crime cometido pelos réus, propôs refletir o conceito de democracia e de Estado. Ao abrir a sessão, a juíza citou uma série de autores, destacando o episódio como central porque “nela pulsa o Brasil que me dói”, disse em referência ao processo de feridas históricas  no paísainda abertas e ao mesmo tempo em um momento importante: os 40 anos de redemocratização e às vésperas do aniversário da Constituição de 1988, no dia 5 de outubro.

Veja a seguir as referências literárias e históricas utilizadas por Cármen Lúcia durante o voto:

'Uma coisa é um país, outra o aviltamento' - Affonso Borges

Cármen Lúcia começou citando o poema Que país é este?, do poeta mineiro Affonso Romano de Sant'Anna, falecido em 4 de março deste ano. “Outro dia, um amigo querido, Afonso Borges, me levou a reler e refletir sobre esta grande obra (...) e ali, o autor poetava em sofrimento”, afirmou a ministra antes de ler o trecho do poema para falar sobre o que um país representa para seu povo. Durante a ditadura militar, o poema apareceu na primeira página do Jornal do Brasil. 

"Uma coisa é um país, outra um fingimento. Uma coisa é um país, outra um monumento. Uma coisa é um país, outra o aviltamento. Este é o país do descontínuo, onde nada congemina"

'O mal feito para o bem continua sendo mal' - Victor Hugo

A ministra também fez referência ao escritor francês Victor Hugo, lembrando que “o mal feito para o bem continua sendo mal”. Ela ressaltou que Hugo foi um “ferrenho opositor ao golpe de Estado de Napoleão III” e destacou uma passagem de seu livro História de um Crime, na qual um integrante da força armada procura convencer uma autoridade a se unir ao golpe.

“Um dos maiores escritores do Ocidente, Victor Hugo, ferrenho opositor ao golpe de Estado de Napoleão III, escreveu, durante o exílio, o livro História de um Crime. ‘O crime é o golpe de Estado’, afirmou a ministra, ao traduzir um trecho da obra”

Veja a seguir o diálogo entre os personagens:

— “Mas isso que você me propõe é um golpe de Estado.”

— “Você acredita nisso?”

— “Sem dúvida. Nós somos a minoria e seríamos a maioria. Nós somos uma porção da Assembleia e agiríamos como se fôssemos a Assembleia inteira. Nós, que condenamos a usurpação, seríamos os usurpadores. Nós, os defensores da Constituição, afrontaríamos a Constituição. Nós, os homens da lei, violaríamos a lei. É um golpe de Estado.”

— “Sim, mas um golpe de Estado para o bem.”

— “O mal feito para o bem continua sendo mal.”

— “Mesmo quando ele tem sucesso?”

— “Principalmente quando ele tem sucesso. Porque então se torna um exemplo e vai se repetir.”

'Golpes eclodem em uma dinâmica de crise da qual se beneficiam seus protagonistas' - Heloisa Starling

Mais adiante, Cármen Lúcia trouxe à discussão a obra A Máquina do Golpe, de Heloisa Murgel Starling, lembrando que “golpes eclodem em uma dinâmica de crise onde se beneficiam seus protagonistas, capazes de perceber o potencial disruptivo da situação”.

Logo depois, complementou com a leitura de Newton Bignotto, em Golpe de Estado: História de uma Ideia: “Se uma das condições para o sucesso de uma conspiração é manter o segredo das tratativas, desvelar a trama para o público é um passo fundamental, embora arriscado”, explicou a ministra sobre a conspiração golpista criada e que também levou o Brasil ao abismo do discurso de ódio e a polarização em diferentes esferas da sociedade. Em outro momento, a juíza completou: 

"A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro. Nossa república tem um melancólico histórico de termos poucos repúblicos. Por isso, a importância de cuidar deste processo no ano em que comemoramos quatro décadas da redemocratização”

Assista o voto completo de Carmen Lúcia:

Como dizia Virginia Woolf, a mulher é tida na maioria das vezes como um ser "anônimo" ao longo da História, invisibilizada e reduzida à margem de eventos históricos. Após o dia 11 de setembro de 2025, é possível dizer que será inegável o reconhecimento do protagonismo de uma mulher diante de um dos capítulos mais importantes da história brasileira, como personagem. 

No centário internacional, o julgamento mostrou ainda como o Brasil aplica a Constituição e garante aos suspeitos amplo direito de defesa, com toda a sessão sendo transmitida ao vivo. Uma verdadeira aula ao mundo sobre a sobrevivência das democracias, especialmente em um momento em que elas enfrentam ataques sem precedentes nas últimas oito décadas e ainda sob as ameaças do segundo governo Trump. Este é o dia que ficará marcado como o dia que a democracia brasileira venceu.


FONTE: Revista Fórum
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