"Mostrei a foto para os membros da igreja e disse que ele estava enrolando todo mundo, enganando as pessoas”, lembra. "Eu não acho que ele era apenas um pastor ruim dessa igreja. Acho que todos eles são instruídos a enganar as pessoas”.
Para a advogada de Manoel, Janaína Morais, os áudios comprovam que houve coação. "O áudio é bem incisivo na forma como ele [o pastor] fala. A meu ver, um pastor é para orientar o fiel, não é para ordenar", ela diz.
"O pastor tirou o trabalho dele, tirou a dignidade dele e da família. Como uma igreja pede tudo que ele tem?", questiona Janaína.
Manoel cogita reabrir o seu negócio caso a vitória na Justiça se confirme. Ele não voltou a frequentar templos religiosos desde o episódio. “A gente erra muitas vezes na vida, mas o pior erro que cometi na minha vida foi esse”, diz, sobre a doação.
A defesa da Universal argumentou que não há provas do repasse do dinheiro em espécie e que a Igreja está amparada no exercício da liberdade de organização religiosa ao estimular a doação, não tendo havido coação. A igreja argumenta ainda que se trata de “flagrante arrependimento tardio” por parte de Manoel.
Na sentença, o juiz Carlos Neves destaca que o religioso sabia das condições de vida do padeiro e que ele tirava o sustento da família por meio da padaria.
"Sabedor, a toda evidência, de que o promovente ficaria na miséria, o pastor Rodrigo Antônio instigava o promovente a dar continuidade ao seu intento, a ponto de levá-lo a cabo contra a vontade de seus familiares", diz o juiz, afirmando que o líder religioso demonstrou vilania e falta de empatia.
Com relação à intervenção do Poder Judiciário na relação do devoto com sua igreja, o magistrado defendeu que Rodrigo Antônio excedeu o estímulo à doação, incorrendo em abuso de direito. "Quando esse mesmo líder religioso passa a incitar ou instigar um fiel específico a desfazer-se dos bens que possui, a ponto de ficar reduzido à miséria, para reverter a renda apurada em favor da igreja, sob a promessa de uma mudança miraculosa de vida ou de temor de castigo divino caso não o faça, podemos estar diante de um caso de abuso de direito", assinala.
O juiz afirma também estar convencido, pelas conversas de WhatsApp, de que o pastor recebeu pelo menos R$ 30 mil. "Portanto, este valor deverá ser restituído ao autor, como reparação do ilícito", decide. Já o pedido de danos morais não foi concedido.
Apelação
A Universal entrou com uma apelação alegando cerceamento de defesa e negando a ocorrência de ato ilícito. A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), de forma unânime, negou o pedido. Em seu voto, a desembargadora Nalva Cristina B. Campello Santos declarou que a autoridade religiosa, ao invés de guiar espiritualmente o membro, o levou a uma situação de comprometimento econômico.
"As provas dos autos demonstram que as contribuições financeiras não decorreram de uma escolha livre, mas de um processo de convencimento pautado em promessas infundadas e exploração da vulnerabilidade psicológica do fiel, de modo que o que se observa não é um mero exercício da fé, mas um vínculo de dependência que eliminou a capacidade real de escolha, submetendo-o a um sistema no qual sua espiritualidade tornou-se refém de
exigências financeiras sucessivas", afirma a magistrada. A igreja ainda pode recorrer.
O que disse a Igreja
Em nota à imprensa, a Universal declarou que a Constituição Federal e o Código Civil têm normas claras que garantem a liberdade de pedir e fazer doações, protegendo de supostos “doadores arrependidos”. A instituição afirma ainda que o autor da ação é uma pessoa esclarecida, apta e capaz de assumir suas próprias decisões, sendo conhecedor dos rituais litúrgicos e já tendo realizado ofertas voluntárias em outros momentos.
“Dito isso, a Igreja Universal do Reino de Deus reitera que, em um país laico, como o Brasil, é vedado qualquer tipo de intervenção do Estado — incluindo, do Poder Judiciário — na relação de um fiel com a sua igreja”, acrescentou, destacando que não teve chance de produzir provas para contrapor o autor da ação e que, por isso, apelou ao tribunal.
Confira na íntegra a nota da Igreja Universal do Reino de Deus:
Nenhuma igreja ou instituição assistencialista que depende de doações voluntárias poderia existir se a lei não a protegesse de supostos "doadores arrependidos". Justamente por essa razão, a Constituição Federal (p.e.: art. 5º, II, IX, XVII e XXXVI) e o Código Civil (p.e.: art. 538 da Lei nº 10.406) têm normas claras que garantem a liberdade de pedir doações, bem como de fazê-las.
Vale ressaltar, também, que o autor desta ação é uma pessoa esclarecida e totalmente apta e capaz de assumir suas próprias decisões, sendo conhecedor dos rituais litúrgicos — até porque, já havia realizado ofertas voluntárias em outros momentos — ao longo do período em que frequentou a Igreja.
Dito isso, a Igreja Universal do Reino de Deus reitera que, em um país laico, como o Brasil, é vedado qualquer tipo de intervenção do Estado — incluindo, do Poder Judiciário — na relação de um fiel com a sua igreja (p.e.: CF, art. 19, I; art. 5º, VI). E, por fim, informa que a Instituição não teve chance de produzir provas para contrapor o autor da ação em primeira instância. Exatamente por isso, apelou ao Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco — totalmente convicta de que a Justiça e a verdade prevalecerão.