Se durante muitos anos o Emmy ficou marcado pelas repetições excessivas, com séries como Modern Family e Mad Men saindo vitoriosas por anos consecutivos e deixando poucas surpresas para a grande noite, é seguro dizer que a realidade agora é — minimamente — outra. Embora a grande parte das previsões para a edição deste ano tenha acertado os principais vencedores, a Academia de Artes e Ciências Televisivas conseguiu causar boas surpresas e encontrar o meio-termo entre abraçar as tradições e se abrir às novidades em uma noite que celebrou o velho e o novo sem sair muito do roteiro.
Não quer dizer que as grandes vencedoras da noite não estivessem dentro das previsões, mas o anúncio final de The Pitt como a melhor série de drama certamente arruinou alguns bolões por aí. Disputando de perto o principal prêmio da categoria dramática estava a segunda temporada de Ruptura, que não terminou mal (foram 8 Emmys contando a noite principal e as categorias técnicas na semana anterior). A escolha pela série médica certamente remonta aos tempos de ER (Plantão Médico), já que a atual é uma espécie de “sucessora espiritual” da clássica.
O significado desta vitória tem um gosto especial para amantes da TV. Em tempos de grandes séries que jogam pela janela o formato clássico da telinha, reconhecer um drama estruturado com episódios individuais que mantêm um arco serializado, e não uma série que parece mais um tenebroso filme de 10 horas, parece um recado da Academia (e também do público, considerando o sucesso da atração) sobre o que anda fazendo falta no streaming.
Mesmo assim, a verdade é que é uma vitória que ainda está dentro das estatísticas. As três grandes vencedoras, The Pitt, O Estúdio e Adolescência estão entre as que dominaram as apostas, as conversas e as redes sociais ao longo dos últimos meses, e passaram no teste do que faz uma grande vencedora do Emmy no século 21. Não basta ser uma produção tecnicamente boa. A repercussão e o poder de gerar conversas tornam-se tão importantes quanto a qualidade do produto final.
Em todos os quesitos, as três séries citadas acima de fato entregaram, mas não só elas. Ruptura, com sua ótima segunda temporada, foi além de criar um quebra-cabeças indecifrável e mergulhou com sabedoria nas implicações éticas do controle criativo e na definição de individualidade; The Pitt traz a realidade da medicina moderna e o trauma permanente deixado pela pandemia de covid-19; O Estúdio se vestiu com ironia para criticar o modus operandi de Hollywood e seus excessos de reboots e remakes, criando no caminho uma comédia autoconsciente com humor fino e irretocável. Adolescência elevou debates urgentes sobre machismo, perpetuação da misoginia e cultura ‘incel’ online.